Foi através de vozes femininas – em especial, pelas de Maria Bethânia e Simone – que a obra inicialmente magoada de Gonzaguinha (1945 – 1991) ganhou tons mais românticos e conquistou de fato o Brasil, fazendo com que, na virada dos anos 70 para os 80, o autor de Explode Coração fosse o compositor mais requisitado pelas cantoras. Daí o acerto conceitual da coletânea dedicada a Gonzaguinha na série Letra & Música, produzida por Marcelo Fróes para seu selo Discobertas. Nada óbvia, a seleção enfoca apenas cantoras. Não há fonogramas de Bethânia. Já Simone está representada pela bela e menos ouvida gravação de Diga Lá, Coração (do álbum Cigarra, 1978). Mas o que dá valor à compilação são os fonogramas raros até em coletâneas. Exemplo é Começaria Tudo Outra Vez na voz de Marisa Gata Mansa (1933 – 2003). O pungente registro ao vivo do bolero foi feito pela saudosa cantora no LP Encontro de Amor, de 1976 – aliás, o ano em que o autor lançou o bolero no álbum justamente intitulado Começaria Tudo Outra Vez. Também pouco conhecidas são a leitura roqueira de Wanderléa para A Felicidade Bate à sua Porta (do álbum Vamos que Eu Já Vou, 1977) e a abordagem brejeira de Gostoso na voz alegre da Fafá de Belém dos anos 70 (a gravação é do disco Banho de Cheiro, de 1978). A propósito, mais ou menos conhecidas, as gravações mostram como a obra de Gonzaguinha ganhou alegria com o passar dos anos. Mesmo quando tinha viés político, caso do samba E Vamos à Luta, ouvido na voz firme de Alcione em gravação calorosa que deu título ao álbum lançado pela Marrom em 1980. Poucos compositores celebraram a vida como ele o fez nos versos de O Que É O Que É? (samba ouvido em registro ao vivo de Beth Carvalho, de 1991) e de Caminhos do Coração, tema de 1982 ouvido na coletânea numa das mais bonitas gravações de Elba Ramalho, escondida num álbum (Encanto, 1992) de reduzida repercussão. Seja no tom cool de Zizi Possi (Explode Coração, em gravação de 1996) ou no registro quase empostado de Ângela Maria (Mulher e Daí? – Apenas Mulher, de álbum de 1980), a ideologia e a música de Gonzaguinha resistem bem ao tempo. Pena que o produtor Marcelo Fróes tenha sido econômico no texto escrito para a coletânea. Um encarte mais farto de informações detalhadas sobre a evolução da obra de Gonzaguinha (e sobre as onze gravações do CD) teria valorizado bem mais a boa coletânea.

Fonte:https://blogdomauroferreira.blogspot.com/

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