Em 1971 os Rolling Stones estavam vivendo no sul da França fugindo das garras do fisco inglês. Com o fim dos Beatles no ano anterior, as majestades satânicas brandiam orgulhosas o título de maior banda de rock’n roll em atividade no planeta. Apesar disso, estavam a um passo da falência. Seguindo a sugestão de ardilosos advogados britânicos, mudaram-se para a França, onde os impostos eram menos devastadores. Poderiam ter ido para outro país – Estados Unidos, por exemplo. Mas a França, bem, a França era logo ali, bastava atravessar o canal da mancha. E a proximidade com o porto de Marselha não deixaria que substâncias nutritivas faltassem ao cardápio dos rapazes.

Quando se aventuraram a gravar um disco no porão da villa Nellcôte, mansão alugada por Keith Richards em Villefranche-sur-Mer na Cote d’Azur, os Stones talvez não imaginassem que estavam prestes a conceber um dos mais clássicos, fundamentais e excitantes discos da história do rock. A confusão era grande na época: gente entrando e saindo da casa – polícia inclusive – muita droga, bebida, atrasos fenomenais e sensação de caos permanente. Você sabe, o previsível e maçante dia-a-dia de uma banda de rock. Toda aquela lengalenga de sexo, drogas e rock’n roll.
Bill Wyman, que ainda era o baixista do grupo, conta que a lembrança mais forte que tem das gravações era o tédio. Tédio de ter de esperar por Mick, que morava longe, e Keith, quase sempre dormindo, extenuado depois de dias acordado, tocando sem parar com a ajuda inestimável de todo tipo de anfetamina e uppers encontráveis à época nos catálogos da medicina ocidental. Trabalhar com horário fixo num escritório talvez fosse mais excitante. Mas quando Bill, Charlie, Keith, Mick Taylor e o xará Jagger se juntavam pra tocar, o som fluía furioso e absolutamente sublime.

Contando com músicos de apoio nos teclados e metais, os Rolling Stones recriaram no âmago da Riviera francesa a atmosfera do delta do Mississipi nas primeiras décadas do século XX, emulando os bóias-frias descendentes de escravos que entoavam blues enquanto colhiam algodão e fecundavam a atmosfera com o que viria a constituir, tempos depois, o embrião do rock’n roll. Em Villefranche-sur-Mer, claro, toda essa alegoria era temperada com doses extras de álcool, química proibida e muita inspiração.

Apesar do disco ter sido recebido com frieza pela imprensa no lançamento, e pelo desdém de Mick Jagger, que sempre o considerou meio sujo e amadorístico, Exile On Main Street é uma das vigas mais poderosas desse grande totem chamado rock’n roll. Por que estou contando isso? Pura nostalgia? Não. É que um dos grandes acontecimentos mundiais da claudicante indústria fonográfica é o lançamento este mês de uma edição comemorativa do Exile On Main Street, com canções que ficaram de fora do disco original, fotos inéditas e um making-of. Eu, que passei anos vivendo não na villa Nelcôtte mas no próprio disco em si – e até hoje ainda passo umas temporadas por lá -, só posso comemorar o fato como a melhor surpresa do ano, ainda que seja um disco de 1972.
Por Tony Bellotto

Fonte:https://veja.abril.com.br/blog/cenas-urbanas/tag/exile-on-main-street/

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here